Apelo de grupos feministas por revisão da lei cresce após caso Pelicot chocar o país. Gisèle Pelicot era dopada pelo marido para ser violentada por mais de 50 homens ao longo de dez anos. Francesas pedem que governo inclua a palavra consentimento na legislação de estupro do país
Depois do caso de Gisèle Pelicot vir à tona e chocar o mundo, o debate sobre a inclusão do consentimento na definição legal de estupro na França voltou a pautar discussões no país. Além de grupos feministas, especialistas legais defendem que o caso expõe uma necessidade de revisar o código penal francês para colocar o consentimento no centro do que constitui um crime sexual.
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Atualmente, a lei francesa define estupro como “penetração sexual cometida contra outra pessoa por meio de violência, constrangimento, ameaça ou surpresa”, sem mencionar a noção de “consentimento” ao texto. Neste caso, por exemplo, os réus podem tentar alegar que não usaram nenhuma dessas medidas.
Os advogados de defesa do caso Pelicot argumentaram que os clientes não sabiam que a vítima não havia dado seu consentimento previamente, nem tinham a obrigação de buscá-lo diretamente.
“Essa não é uma lei americana. Na França, você não precisa necessariamente obter o consentimento da vítima para garantir que não seja estupro”, disse Guillaume de Palma, que representa vários réus.
No Brasil, a lei define como estupro “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Ainda há a previsão de estupro de vulnerável, definido como “conjunção carnal ou ato libidinoso com uma pessoa com menos de 14 anos ou alguém com enfermidade ou deficiência mental, que não tem discernimento para a prática do ato ou não pode oferecer resistência” — que seria o caso da francesa.
No dia 8 de março, a França deu um passo histórico ao se tornar o primeiro país do mundo a proteger o direito ao aborto na Constituição do país. Nesse mesmo dia, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse a um grupo de direitos das mulheres que é a favor de adicionar a previsão de consentimento à lei de estupro.
A França não é um caso isolado. O debate também é presente em países como Canadá, Espanha e EUA — e foi alvo de polêmica na União Europeia nos últimos anos.
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Definições de estupro na França e no Brasil
Jacqueline Santiago/GloboNews
Estupro x União Europeia
A França foi, no entanto, um dos países a argumentar contra a inclusão de uma definição unificada de estupro na iniciativa inédita de criar um texto comum sobre Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica para toda União Europeia.
O texto proposto inicialmente previa a definição do crime de estupro baseado no consentimento da mulher.
As autoridades francesas sustentaram que se opuseram com base no fato de que a maior parte do direito penal é uma questão a ser decidida por cada estado-membro. Além de defender que a UE não tinha competência legal no assunto, a França afirmou diversas vezes que a lei europeia proporcionaria menos proteção às vítimas — ideia contestada por ONGs feministas.
Além da França, a Alemanha também chamou a atenção por não apoiar o trecho. O país defende que sua lei inclui parcialmente a noção de consentimento, uma vez que se baseia em “não é não”.
No total, 13 dos 27 estados eram a favor da previsão do crime baseada em consentimento em toda a União Europeia. Por isso, o Conselho da União Europeia, que representa os estados-membros, se opôs à unificação da definição de estupro ainda durante o processo de negociação, que levou cerca de 2 anos.
Debate sobre o crime violência contra mulher na União Europeia
Jacqueline Santiago/GloboNews
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